o pior de sempre

02:47

Viva.

Faz muito tempo que não passo por cá. Voltei, e estou para ficar.

Estou a escrever este texto ao som de teclas e da chuva que mais estou a gostar de ouvir em toda a minha curta vida. Está a chover “abundante” há cerca de 5 minutos, depois das piores 48 horas de toda a minha vida. Tudo começou como esta trovoada começou agora do nada.

Tinha tudo para ser um dia como o de anteontem, enfadante, monótono e ________. Ontem estava sol, um calor como já não sentia há uns meses na costa alentejana. O relógio marcava quinze menos cinco quando me sentei numa gelataria da minha praia a desfrutar de uma com gás e de uma bola do meu gelado favorito, quando começo a aperceber-me de uma nuvem mais escura que o normal (mas como tudo apontava para chuva no dia a seguir, até pensei que começasse mais cedo), chegam dois amigos meus que nada de grave me falam. Sei que não se deve fazer o que eu fiz, mas quando ouvi a palavra "incêndio", fico em sobresalto. Faço o meu pagamento, e vou com um amigo fumar ao sul da minha praia. Esta era a vista:
Vista sul da praia pelas 16h10min
Ao ver isto fiquei logo de coração nas mãos. Isto é a minha lagoa, isto é perto de minha casa. Telefonei logo à minha mãe e ela pede-me, por favor, para sair da praia o mais rápido possível. O que acontecera à 25 anos atrás, iria ser real na minha cabeça. 

Há 25 anos atrás, o fogo esteve bem perto de minha casa. Tanto a minha avó como a minha mãe me diziam que se voltasse a acontecer outro desastre desses ia ser muito pior. De todas as histórias que ambas me contaram, esta foi a única que não consegui formar uma imagem na minha cabeça.
E aconteceu. E foi muito pior do que minimamente esperava. 

Peguei no carro e fui o mais rápido possível, o mais prudente e por sua vez, o mais seguro possível, para casa. A estrada cheia de fumo, fagulhas pelo ar, colunas de fumo de vários sitios, um cenário que me começara a assustar imenso.
Chego a casa e na minha rua nada avizinhava que o incêndio viesse em direção a nós, pois estava a ir na direção da praia. Vou a casa dos meus avós, ver como estavam, já andavam a molhar tudo com mangueiras, canhões agricolas, a fazer tudo o que podiam para salvar as suas casas. Digo-lhes que isto não está nada famoso e ainda bem que estão a prevenir um cenário como o que se estava a passar. Volto a casa, e quando de repente espreito pela janela do meu quarto, é isto que vejo, uma imagem desoladora. Ou o fogo está a vir em direção a nós, ou o fumo esta a vir todo para cá. Pois bem, nisto saio de casa, vou falar com a minha mãe e volto a casa dos meus avós. Continuavam os dois a molhar tudo o mais rápido quanto podiam. Ouço uma senhora a gritar: "O fogo vem aí! O fogo vem aí!". Saio de todo o arvoredo da casa dos meus avós e as chamas já se viam lá ao fundo.
Vista da janela do meu quarto
Vista fora do arvoredo da casa da minha avó
Saio de lá a correr, chego a casa grito para a minha mãe, "O fogo está ao pé da casa da avó!". Pego numa máquina de pressão e começo a molhar paredes o mais alto que conseguia, apressado, a soa, nervoso e de coração nas mãos. Molho tudo o que posso em redor da casa com a pouca pressão que tinha na mangueira, palhiço de vizinhos, calçada, árvores em redor da casa, enquanto a minha mãe regava o quintal e o jardim. O pior ainda estava para vir. Começam a chegar carros de todos os lados, pessoas a estacionar carros em terrenos em redor de minha casa, máquinas agrícolas e pessoas a gritar que já tinham ardido casas. 

Começo a molhar tudo quanto posso, o fumo já irritava, o calor já era muito, o  nervosismo já era de mais, o barulho já era devastador. Não havia mais nada que pudesse fazer. Peguei em toda a informação digital que tenho, computador, discos rígidos, NAS, peguei em água, panos e alguma comida que tinha pronta. Meti tudo dentro do carro. Continuei a molhar paredes e de minha casa o que se via era horrível, e de repente: "Perdi tudo o que tinha! Só fiquei com esta roupa rasgada que tenho na pele". Viam-se chamas enormes, um fumo impossível, toda uma azafama na rua. Passou, ridiculamente depois, o primeiro carro de bombeiros juntamente com dois carros da polícia. Passados alguns minutos que eu não sei contabilizar mas que pareceram horas, o fogo parecia estar dominado. Passou mais um carro de bombeiros, e eu comecei a ficar mais descansado. 

O fogo reacendera, de forma mais intensa mas desta vez vindo mais de sul, volto a ficar em sobressalto, pego numa mangueira, sem pressão e molho todo o palhiço em redor da minha casa. Pequenos "bichos" em chamas caíam em cima do feno seco, pequenas chamas de viam a sair daí. Tratores com cisternas andavam e andaram durante muitas horas estrada abaixo, estrada acima, com escoltas policiais, a nossa salvação para a situação não piorar durante a noite e no dia de hoje. Recebo chamadas de vários sítios próximos de amigos meus, estava tudo a arder à minha volta. Nunca na minha vida me senti tão impotente. Não podia fazer nada. Esperar e ver a desgraça que estava a acontecer à minha volta.
Vista de minha casa
Uma fábrica local que dava emprego a dezenas de pessoas da vila mais próxima, estava destruída. A escassez da rede móvel de telecomunicações estara a dificultar a troca de informação com outras zonas próximas. Uma eólica da minha praia rebentara. Uma aldeia em que mora meia dúzia de amigos meus tivera sido evacuada. Amigos que não sabiam o estado das suas casas por estarem presos em engarrafamentos. Pessoas a tirar fotografias ao terror que me estava a desolar. Não tinha reação. Três casas estariam a arder na minha aldeia. O fogo estava a menos de 100 metros de mim. Pessoas isoladas na praia. Cortes de energia. Bombeiros a correr. Pessoas a gritar. Casas de amigos que tinham ardido, amigos no hospital por inalação de fumos. Ambulâncias. Um cenário caótico. Nunca em minha casa me senti assim.

O fogo estara a acalmar. Respiro bem fundo, e volto a molhar o palhiço.

Estava tudo mais calmo. As pessoas começavam a regressar às suas casas, e de repente a luz na rua acende-se. Cinzas por todo o lado, carros pretos pintados de branco, calçadas cinzentas com manchas pretas. As caras das pessoas, sujas com o suor, sujas com as cinzas, sujas com o medo, sujas com o terror que se acabara de viver.

Passavam vinte e cinco minutos das nove da noite, recebo uma mensagem. "Vou ter que ir para casa ajudar os meus pais." - fico super assustado e tento a ligar a todos os meus amigos dessa pequena aldeia. A rede de comunicações na minha aldeia estava lotada, a rede de comunicações da aldeia dos meus amigos estava lotada. Estava a instalar-se um caos ao qual eu não podia fazer nada. Assim como não pude fazer comigo. Estava um fumo enorme na rua, não podia correr o risco de ir ter com eles. Sem comunicações com ele. De coração tão nas mão como quando tivera sido comigo há poucas horas, recebo a seguinte mensagem: "Está um caos!". Zero comunicações até às onze e meia da noite. Estava tudo a voltar à calma. Em minha casa, tudo calmo. Em casa dos meus amigos, tudo a ficar calmo. Podia ir descansar minimamente. Continuavam tratores com cisternas estrada abaixo - estrada a cima.

Quando acordo estava um cheiro horrível na rua, e fui dar uma volta pela rua a pé. A minha visão naquele momento foi terrível, tudo ardido, um cheiro intenso a lenha ardida. E na aldeia dos meus amigos igual, tudo horrível. Cenários horríveis. Pequenos focos acesos. Não consigo ter um pensamento muito fluido do que acabei de viver, foi um stress que nunca senti na minha vida. Uma impotência que revolta imenso.

O que é que pode ser feito para evitar estas tragédias? O que provocou esta tragédia? 98% dos fogos florestais têm origem de mãos criminosas. Outros 2% são naturais. Visto ser economicamente impossível para o país sustentar guardas florestais em todas as florestas nacionais, implementar mais patrulhas diárias, mais profissionais nessas áreas são soluções que parecem ser o mais aceitável juntamente com outras, por exemplo a limpeza e construção de caminhos de fácil acesso aos pinhais dos governos, pessoas com conhecimentos e não pessoas de idade que são filhas de alguem que foi importante na zona, tudo coisas ao alcance do nosso país.  É da responsabilidade dessas pessoas manter as nossas matas limpas e ornamentadas para que em casos de situações como a de ontem não se repitam. Mais coisas me irritam, desde aos meios de combate aos incêndios, os apoios governamentais para os mesmos, o que passa na cabeça de pessoas que fazem isto. Enfim. Isto já está muito extenso. Voltarei em breve.



Casa ardida no inicio da minha aldeia

Estrada florestal

Barracão ardido





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